Caminhar sobre as águas não é privilégio de quem faz milagres. O
musaranho da espécie Sorex plustris desafia as leis da física quando
atravessa um lago correndo pela superfície, sem afundar. Seu tamanho
minúsculo e a espessa pelagem ajudam, mas o truque é conseguido graças à
capacidade do bicho em conservar um pouco de ar por baixo dos pés,
mantendo-os encurvados. Habitante da América do Norte, Europa, norte da
África e oeste da Ásia, o musaranho é cheio de esquisitices — come mais
que um elefante, tem o metabolismo
tão rápido quanto o de um beija-flor e, tal como as cobras, envenena as
vitimas de suas dentadas.De focinho pontudo, olhos miúdos, orelhas
quase imperceptíveis entre os pêlos densos e dentes pequenos e afiados,
esse mamífero em miniatura se alimenta principalmente de insetos, como baratas, larvas e também caramujos.
Sua vida é alvo de cientistas que estudam a evolução das espécies, pois é o animal
que mais se assemelha aos primeiros mamíferos verdadeiros descendentes
dos répteis mamaliformes, como o Melanodon, que viveu na América do
Norte há 160 milhões de anos. Por isso, é considerado o mais primitivo
dos primatas atuais.Quando nasce, pelado e de olhos fechados, o
musaranho é menor que uma abelha e pesa pouco mais de 2 gramas. Se não
virar comida de predadores, vive entre 1 e 2 anos. Entre as mais de
cinqüenta espécies, algumas não medem mais de 2,5 centímetros, mesmo na
fase adulta. Apesar de ser tão pequeno, a superfície externa de seu
corpo é muito grande em relação ao volume interno, o que faz com que ele
perca calor com moita facilidade. Para compensar essa perda, tudo no
organismo do musaranho funciona depressa. Haja comida para sustentá-lo.
"O menor mamífero
é também o mais comilão entre os quase 5 000 animais de sua classe",
afirma o biólogo Ladislau Alfons Deutsch, chefe da seção de mamíferos da
Fundação Parque Zoológico de São Paulo durante dezesseis anos. O
animalzinho se empanzina porque necessita de energia suficiente para
gerar calor e conservar a temperatura do corpo, mantendo o metabolismo
em alta velocidade. Isso exige urna respiração rápida, para que seja
mantido alto e constante o suprimento de oxigênio utilizado nas reações
químicas que transformam o alimento em energia. O suprimento de ar não é
interrompido nem quando ele se alimenta. Batendo 1 200 vezes por
minuto, o coração trabalha quase doze vezes mais rápido que o do ser
humano.
"Se compararmos o metabolismo
especifico do musaranho com o de um elefante, por unidade de massa
corpórea, 1 grama do musaranho consome em um dia a energia que 1 grama
do elefante consumiria em um mês", calcula o biólogo José Eduardo Wilken
Bicudo, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo.
"Pode-se dizer que, proporcionalmente, elefantes comem bem menos que
musaranhos." Os diminutos mamíferos alimentam-se sem parar — a cada três
horas, engolem uma quantidade de comida equivalente ao seu peso.
Algumas espécies praticamente não dormem, pois, se deixarem de se
alimentar por mais de seis horas, morrem.Num laboratório da Universidade
de Lausanne, na Suiça, onde está concentrado o maior número de
pesquisas com musaranhos no mundo, uma equipe de cientistas descobriu
que algumas espécies não são ativas 24 horas por dia, mas praticam o
torpor — entram em depressão metabólica para economizar energia.
O metabolismo
desacelera e a temperatura do corpo cai gradativamente, diminuindo a
diferença em relação ao ambiente, o que permite a poupança de
energia.Extremamente ativo, solitário e hostil, o musaranho é o baixinho
invocado do reino animal.
Briga com qualquer um, inclusive com seus semelhantes, até durante o
acasalamento. No curto período que dura o ato sexual, a união casal de
musaranhos quase sempre numa luta sangrenta, em que eles se engalfinham
até a morte, quando um chega a devorar o outro. Para conquistar a fêmea,
o musaranho macho emite excitados estalos e, se ela não se mostra
receptiva, adverte-a com guinchos indignados. Às vezes, o assédio do
macho é tanto que a fêmea perde a paciência, e desanda numa tagarelice
ultra-sônica. Se o sobrevivente do amor for a fêmea, duas semanas depois
nascem de quatro a dez filhotes, muito frágeis e praticamente cegos.
Caso a ninhada precise mudar de toca, eles são transportados em fila
indiana: um dos filhotes crava os dentes nas costas da mãe e os demais
nas costas do que estiver a sua frente.
Assim, não se perdem
pelo caminho.Quando um musaranho encontra um inimigo, solta uma secreção
de odor repugnante. Por isso, seus principais predadores são os gaviões
e as corujas, bons de olho mas ruins de nariz. Se tiver que lutar, o
musaranho usa um artifício comum nos répteis: o veneno.
As glândulas salivares contêm substâncias que produzem efeitos
semelhantes aos de picada de cobra venenosa, e ele as utiliza para
imobilizar ou matar as presas e até inimigos. A primeira descrição de
envenenamento por mordida de musaranho foi feita por C. J. Maynard, em
1889, ferido na mão por um musaranho que havia segurado.Em poucos
segundos, o cientista teve sensações de queimadura, inchaço e dores
agudas na mão e no braço. A existência desse veneno
só foi comprovada quase cinqüenta anos depois, em 1942, quando o
naturalista O. P. Person realizou algumas experiências provando que o veneno
causa queda da pressão sangüínea, diminuição do ritmo cardíaco e
inibição respiratório. Uma mordida, porém, não é suficiente para matar
urna pessoa. Essa substância tóxica geralmente não é utilizada como
mecanismo de defesa, mas sim para ataque
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